sexta-feira, 8 de maio de 2009

Savana.


Eu fecho os olhos e imediatamente lembro do cheiro da savana. Meu pensamento me leva a quilômetros de distância e me vejo filhote brincando com meus irmãos. Corro por todos os lados, pela vegetação rasteira, algumas vezes pelas matas, outras próximo dos rios. Lembro da minha mãe, sempre cuidando de nós, seja nos alimentando ou nos vigiando e lembro do meu pai sempre à distância, sempre soberano. Lembro da minha adolescência, quando meus instintos me levavam a combater outros machos da minha espécie, pela supremacia do território.

Lembro de todas as vezes que tentei combater meu pai, mas ele ainda era forte e experiente, mas em cada uma das nossas batalhas ele ficava mais fraco. Lembro-me do dia no qual tive que expulsar meu pai, velho e combalido, da convivência do bando, agora liderado por mim. Lembro também da morte da minha mãe, um sentimento ambíguo de perda e indiferença. Agora eu tinha muitas fêmeas para satisfazer minhas vontades e muitos filhos pelos quais eu nutria uma raiva inexplicável.

Até que um dia eu vi o homem. Lembro do terror que senti quando vi meus pares caindo inconscientes ou mortos, com um simples estrondo causado pelos homens e suas ferramentas de morte. Lembro que consegui fugir algumas vezes, até que um dia, ainda jovem, recebi um impacto no dorso e comecei a me sentir cansado, sonolento, até perder a consciência.

Quando abri os olhos já estava aqui, neste lugar estranho. Ao invés da vegetação da savana, existe uma vegetação verde que agride meus pés. Ao invés da água do rio, a água é muito limpa e tem um gosto estranho. Ao invés do gosto de sangue da carne da caça, tive que me acostumar a comer uma carne estranha, morta há muito tempo. Minhas parceiras não caçam mais. Vivem movendo-se pra lá e pra cá, nesta prisão na qual vivemos.

O que mais me entristece são os homens. Eles vem aqui dia após dia e ficam nos observando, jogando objetos, gritando, fazendo com que seus filhotes nos incomodem. E eu penso, pra que? Nos primeiros dias, ficava agitado e urrava de raiva, andando de um lado para outro. Percebi com o tempo que isso não os incomodava, aliás, eles ficavam muito excitados com minhas atitudes de ira. Então fiquei quieto, me acomodei com a situação. De vez em quando os homens me acertam novamente no dorso, eu durmo e quando acordo, sinto que estou com algo diferente.

Infelizmente, esta prisão não tem saída, ficarei aqui até minha morte, não tenho vontade de procriar e não passarei pelos rituais da velhice, quando outros jovens me desafiarão até a morte. Por isso, todos os dias, sem exceção, eu deito nesta vegetação verde, fecho os olhos e imediatamente lembro do cheiro da savana.

Texto publicado originalmente no blog Divã do Masini em 22/10/2008.

Imagens: Google.

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